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Descarte consciente de medicamentos

Parte 1 – 9 meses de pandemia: como andam os tratamentos farmacológicos?

30 nov, 20

Nossa equipe mais uma vez traz uma grande atualização sobre os fármacos e possíveis tratamentos para a COVID-19, dando continuação a nosso último texto — “Dois meses de pandemia: a eficácia de medicamentos já existentes contra o novo coronavírus”. Agora, 9 meses após a declaração da pandemia pela OMS, como estão os estudos dos medicamentos?

É importante lembrar que esses medicamentos foram obtidos a partir do reposicionamento de fármacos — medicamentos já estabelecidos para outras doenças, mas que apresentaram algum tipo de eficácia ou aparente eficiência para o tratamento da COVID-19 — pois a descoberta de novos compostos é um processo longo e inviável devido à urgência dessa crise de saúde mundial.

Antes de começarmos a nossa discussão, no entanto, devemos deixar duas coisas claras: o desenvolvimento de novos compostos farmacológicos é uma perspectiva futura e não podemos deixar de tê-la em mente e, mais importante, no atual período em que esse texto está sendo escrito, não observamos um foco no medicamento e na cura, e sim na produção de uma vacina eficaz para a imunização e prevenção contra essa doença.

Por fim, hoje temos certeza da complexidade e dos diversos novos mecanismos e alvos virais. A “Síndrome Respiratória Aguda” é apenas uma das facetas do vírus, o qual pode afetar diversos órgãos e sistemas, como a pele, o sistema nervoso, o sistema digestivo e o sistema cardiovascular. Lembramos que, apesar da morbidade acerca da COVID-19 e de alguns estudos clínicos promissores com medicamentos já existentes, a automedicação e o uso irracional de medicamentos é muito perigoso.

Portanto, quais são os “competidores” no tratamento da COVID-19, e qual é o seu julgamento?

  • Remdesivir

Esse antiviral de amplo espectro foi utilizado em diversos países como tratamento emergencial. Ensaios randomizados duplos-cegos multi-centros sugeriram que esse medicamento reduziria o tempo de hospitalização de pacientes em estado grave, mas sua utilização sozinha provavelmente não era suficiente, devido à alta taxa de mortalidade ainda encontrada. Em meio a posicionamentos opostos, algumas pesquisas ainda apontam dados promissores que motivaram a utilização deste medicamento para os pacientes que receberam placebo, confirmando que o Remdesivir reduz em cerca de 5 dias o tempo de internação dos pacientes acometidos. Entretanto, a OMS, em um dos maiores estudos clínicos realizados, foi contra a sua utilização, visto que não houve efeito positivo para este e outros medicamentos que falaremos à frente, como a Lopinavir, Hidroxicloroquina e Interferon. 

Referências:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7264618/

https://www.nih.gov/news-events/news-releases/peer-reviewed-data-shows-remdesivir-covid-19-improves-time-recovery

https://www.niaid.nih.gov/news-events/nih-clinical-trial-shows-remdesivir-accelerates-recovery-advanced-covid-19

https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04280705

https://www.gilead.com/news-and-press/press-room/press-releases/2020/10/final-results-of-national-institute-of-allergy-and-infectious-diseases-actt-1-trial-published-in-new-england-journal-of-medicine-expand-clinical-bene

https://www.nih.gov/news-events/nih-research-matters/final-report-confirms-remdesivir-benefits-covid-19

https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.10.15.20209817v1

https://www.cbc.ca/amp/1.5800609 

  •  Hidroxicloroquina/cloroquina

Antimalárico amplamente discutido pela nossa equipe, esse medicamento utilizado para o tratamento de malária e de doenças autoimunes foi um dos principais focos para uma possível cura durante a pandemia. Contudo, após diversos ensaios clínicos para seu uso emergencial, nenhum tipo de benefício foi encontrado para pacientes hospitalizados com COVID-19 grave. Em junho, a FDA (Food and Drug Administration) — agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos — declarou que não era razoável acreditar em sua eficácia e que os riscos superam os benefícios. Por fim, em novembro, foi concluído formalmente que o medicamento não oferece nenhum benefício clínico para os pacientes hospitalizados.

Referências:

https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-06-17/hydroxychloroquine-testing-halted-in-who-sponsored-covid-trial

https://www.recoverytrial.net/news/statement-from-the-chief-investigators-of-the-randomised-evaluation-of-covid-19-therapy-recovery-trial-on-hydroxychloroquine-5-june-2020-no-clinical-benefit-from-use-of-hydroxychloroquine-in-hospitalised-patients-with-covid-19

https://www.fda.gov/media/136536/download

https://www.cnbc.com/2020/06/15/fda-revokes-emergency-use-of-hydroxychloroquine.html

https://www.nih.gov/news-events/news-releases/hydroxychloroquine-does-not-benefit-adults-hospitalized-covid-19

https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2772922 

  • Favipiravir

Inicialmente, este outro antiviral utilizado para gripe (Influenza), começou a ser notado após testes iniciais na China. Apesar de o medicamento parecer eficaz, apresentando melhora nos quadros de tosse e febre, não apresentou nenhum efeito em pacientes com quadro grave. Este medicamento foi amplamente utilizado na Itália de forma experimental e, apesar da pouca evidência científica e devido ao receio conforme o avanço da pandemia, vários países compraram o fármaco. Na Rússia, seu genérico Avifavir foi aprovado para uso após apresentar eficácia na primeira fase de ensaios clínicos. Apesar de pouca ou baixa eficácia nas situações graves da doença, continua sendo utilizado em momentos de carga viral exacerbada. 

Referências:

https://www.theguardian.com/world/2020/mar/18/japanese-flu-drug-clearly-effective-in-treating-coronavirus-says-china

https://www.independent.co.uk/news/world/asia/coronavirus-treatment-anti-viral-drug-favipiravir-avigan-wuhan-china-a9408066.html

https://www.technologyreview.com/2020/03/23/950385/covid-19-coronavirus-best-drugs-in-treating-the-outbreak/

https://www.aifa.gov.it/-/aifa-precisa-uso-favipiravir-per-covid-19-non-autorizzato-in-europa-e-usa-scarse-evidenze-scientifiche-sull-efficacia

https://asia.nikkei.com/Spotlight/Coronavirus/Germany-to-buy-Avigan-from-Japan-to-fight-coronavirus

https://www.scmp.com/news/china/science/article/3078369/china-and-south-korea-split-over-japanese-anti-flu-drug-avigan

https://rdif.ru/Eng_fullNews/5220/

https://www.bnnbloomberg.ca/russian-health-ministry-approves-anti-coronavirus-drug-avifavir-1.1443601

  • Dexametasona

Este corticosteroide é utilizado para várias doenças, como problemas reumáticos, asma e doença pulmonar, dentre outras. Durante a pandemia da COVID-19 esse medicamento apresentou resultados promissores, sendo capaz de diminuir a necessidade de ventilação mecânica e mortalidade em ensaios clínicos randomizados e multicêntricos reforçados em julho. A partir disso, tanto o NIH (National Institutes of Health),  quanto a OMS, incluíram a dexametasona como tratamento de pacientes que necessitem de ventilação — com baixa saturação de oxigênio — e graves, sendo contra-indicada em caso contrário. O uso de corticosteróides pode levar a vários efeitos adversos, principalmente para crianças abaixo de 12 anos.

Referências:

https://www.drugs.com/monograph/dexamethasone.html

https://www.thelancet.com/journals/lanres/article/PIIS2213-2600(19)30417-5/fulltext

https://www.reuters.com/article/uk-health-coronavirus-steroid/scientists-hail-dexamethasone-as-major-breakthrough-in-treating-covid-19-idUKKBN23N1WT

https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.06.22.20137273v1

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7383595/

https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-dexamethasone-and-covid-19

https://www.ema.europa.eu/en/news/ema-starts-review-dexamethasone-treating-adults-covid-19-requiring-respiratory-support

https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-Corticosteroids-2020.1

https://www.ema.europa.eu/en/news/ema-endorses-use-dexamethasone-covid-19-patients-oxygen-mechanical-ventilation

  • Colchicina

Esse medicamento utilizado no tratamento da gota se tornou um dos mais recentes competidores. Sua ação na redução da inflamação e das complicações pulmonares em pacientes com sintomas mais brandos — que não necessitem de hospitalização — estão sendo estudados por pesquisadores canadenses num estudo denominado COLCORONA, do qual o Brasil faz parte. Os resultados ainda em revisão apontam para uma possível melhora dos sintomas, principalmente pelo bloqueio dessas vias inflamatórias. A colchicina é contra-indicada para mulheres grávidas ou que estejam no período de amamentação.

Referências:

https://www.colcorona.net/

https://www.biospace.com/article/new-clinical-study-potential-treatment-for-coronavirus-will-be-tested-in-canada-as-of-today/

https://www.researchsquare.com/article/rs-69374/v1

https://agencia.fapesp.br/colchicine-an-anti-inflammatory-drug-accelerates-recovery-of-hospitalized-covid-19-patients/33958/#:~:text=By%20Karina%20Toledo%20%7C%20Ag%C3%AAncia%20FAPESP,so%20that%20patients%20recover%20faster

  • Heparina

Outro competidor recente, pesquisas demonstraram que esse anticoagulante é capaz de se ligar a proteínas virais e neutralizá-las, sendo proposto como um possível medicamento antiviral. Além disso, outros estudos apontam para os benefícios do tratamento na redução dos coágulos e da falência pulmonar, além de efeitos anti-inflamatórios e de proteção endotelial em conjunto com essa “nova” ação antiviral — como já discutido pela nossa equipe anteriormente. Contudo, apesar de promissores, esses efeitos ainda estão sob investigação. Anticoagulantes podem levar à hemorragia grave, seguida de morte.

Referências:

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2020/04/25/interna_ciencia_saude,848151/covid-19-anticoagulante-pode-reverter-casos-de-pacientes-em-estado-gr.shtml

https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/04/22/covid-19-sirio-libanes-inicia-testes-de-tratamento-com-anticoagulantes.htm

http://www.sah.org.ar/pdf/covid-19/10.1111@jth.14858.pdf

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30926-0/fulltext

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/jth.14821

https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.15.20067017v3

https://www.fiercebiotech.com/research/how-covid-19-could-be-crippled-by-age-old-blood-thinner

  • Ibuprofeno

Esse anti-inflamatório não esteroidal utilizado para o tratamento de dor, febre e inflamação também foi um dos primeiros atores durante o começo da pandemia. Inicialmente, a OMS contra-indicou sua utilização, indicando Paracetamol em seu lugar. Entretanto, durante os meses conseguintes, sua correlação com a gravidade da doença se mostrou inconclusiva. Mais recentemente esse medicamento vem sendo pesquisado tanto na Argentina, quanto no Reino Unido (Ensaio Liberate), para determinar se, em conjunto com outros tratamentos, há algum efeito positivo na redução da severidade e na progressão dos danos pulmonares. Ainda não há nenhum dado conclusivo.

Referências:

https://www.health.harvard.edu/diseases-and-conditions/coronavirus-resource-center

https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/19/oms-volta-atras-e-diz-que-nao-tem-recomendacao-contra-ibuprofeno-no-tratamento-do-coronavirus.ghtml

https://www.clarin.com/sociedad/coronavirus-argentina-tratamiento-ibuprofeno-probando-jujuy_0_PkcsfRs9d.html

https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04334629

https://www.bbc.com/news/health-52894638

Devido à grande quantidade de medicamentos sendo pesquisados e utilizados para tratamento da COVID-19, publicaremos mais informações em nossa próxima postagem. Contudo, conforme a ciência avança no conhecimento sobre a doença e o vírus SARS-CoV-2, melhoram o manejo clínico dos pacientes e reduzem os índices de agravamento. É importante ressaltar que todos os medicamentos podem gerar efeitos adversos, por isso nunca se automedique.

Autor: Vladimir Pedro
Revisores: André Almo, Luiza Sardinha e Júlia Albuquerque

 

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